Contextualização

Desde sempre o Homem tem procurado a solução para os seus "males". Os registos escritos que chegaram até nós, como os antigos hieróglifos egípcios, a Bíblia e textos antigos dos chineses, descrevem a utilização de produtos naturais para fins curativos. Na antiga Grécia, o conhecimento das plantas medicinais, tal como da Medicina, era pertença dos Sacerdotes. Hipócrates teve conhecimento de cerca de 300 remédios, feitos a partir de briónia, camomila, centáuria, cássia, alho, canela e rosmaninho. No século III a.C., Teofrasto descreveu cerca de 455 plantas medicinais, sendo considerada actualmente como a primeira Flora Ocidental. Celso, Dioscórides e Galeno foram os grandes impulsionadores da Medicina Romana. Dioscórides organizou uma das maiores floras de todos os tempos que incluía cerca de 600 plantas descritas e ilustradas, onde se inclui a aplicação do Salgueiro-branco, que era utilizado para a dor. Durante os séculos XVI e XVII foram publicados diversos catálogos de fitoterapia. Em 1563, Garcia de Orta publicou um estudo sobre as plantas medicinais da Índia. A descoberta da América e da Índia permitiu incrementar esse saber. Os Índios tinham um vasto conhecimento sobre remédios feitos de plantas. Utilizavam a colubrina, o sassafrás, os salgueiros, os ulmeiros, o lírio-da-América do Norte. No século XIX, os produtos naturais ainda eram universalmente utilizados e muitos estavam no centro do avanço médico. Destaca-se a utilização da cinchona no tratamento da malária e a dedaleira para as doenças do coração.

À medida que o conhecimento científico progredia foi possível desenvolver técnicas que permitiam a extracção dos princípios ativos das plantas para produzir medicamentos. Conhecida a composição química das substâncias ativas, o passo seguinte foi a sua síntese em laboratório, por reprodução exata da estrutura química ou recorrendo à substituição de grupos funcionais, o que permitiu produzir substâncias com poder curativo mais intenso ou mais diversificado.

Durante o século XX a utilização dos medicamentos produzidos em laboratório predominou na Farmacologia e a utilização das medicinas naturais tornou-se uma exceção. A indústria farmacêutica investe cada vez mais no conhecimento das espécies que possam fornecer novos princípios ativos. A grande vantagem da produção intensiva de medicamentos, por via artificial, está em não serem necessárias elevadas quantidades de material biológico o que, obviamente, devastaria rapidamente os recursos. 

Por outro lado, a utilização dos medicamentos, produzidos artificialmente, tem vindo a revelar alguns efeitos secundários, ainda não totalmente conhecidos. Hoje, cada vez mais, se procuram sistemas de medicina alternativa, como a fitoterapia.

Portugal é um país de referência, pelo elevado manancial de conhecimentos acerca dos usos populares e tradicionais das plantas que, a pouco e pouco, se têm vindo a perder. A utilização das plantas como remédios caseiros foi diminuindo, mesmo nas comunidades rurais. 

A partir dos anos oitenta, ressurge o interesse pelas virtualidades das ervas bravias. É importante que estes "saberes reliquiais", que ainda persistem, quase exclusivamente nas pessoas mais idosas, passem para as gerações futuras. 

Procurando cumprir este objectivo, selecionámos e descrevemos algumas plantas da flora da Serra da Gardunha, que têm vindo a ser utilizadas com fins medicinais. 

Já em 1747 o Padre Luiz Cardoso, autor do Dicionário Geográfico, confirma a presença de plantas medicinais na Serra da Gardunha, referindo-se, em particular, à "Egenciana", com ação purgativa e febrífuga. 

Em 1814 o Médico Jorge Gaspar de Oliveira Rolão, no Jornal de Coimbra referia-se assim à flora da Gardunha "Muitas são as plantas, que aqui nascem, e vegetão espontaneamente e de que podêmos servir-nos para usos médicos, preferindo hóra esta, hora aquella parte das mesmas, e são as seguintes: salva, losna, meimendro, barbasco, alecrim, alfazema, almeirão, herva doce, artemisia, azedas, cicuta, dedaleira, fumaria, funcho, hera terrestre, cidreira, hortelã, rosmaninho, loureiro, manjarona, arruda, cardo sancto, celidonía, centarnea menor, murta, meliloto, marroios, agrímonia, oregãos, saponaria, escordio, macela, lingua cervina, arencão, herba moura, hepericão, urgibão, fragaria, avenca, douradinha, viola, malvas, parietaia, jarro, grama, labaça, bardana, cebola albarrã, salsa, peonia, malvaísco, ruiva dos tintureiros, espargo, aipo, fito macho, consolida maior, gilbardeira, mamona, papoulas vermelhas, rosa de tres qualidades, marmeleiro etc, e outras, que nos fornecem sementes ou fructos; e que augmentão assim a matéria médica-indigena."

O nosso tão singular território ainda hoje é reconhecido como um valioso património botânico. Destacamos o endemismo da Serra da Gardunha, Asphodelus bento-rainhae, que está protegida por legislação portuguesa e da Comunidade Europeia, nomeadamente pelo Anexo II (espécie prioritária) e IV da Directiva Habitats e pelo Anexo I da Convenção sobre a Vida Selvagem e os Habitats Naturais na Europa.

Com este trabalho é nossa intenção trazer à memória um pouco dos conhecimentos ancestrais, de forma a valorizar o património etnobotânico da região do Fundão e colocar à disposição da comunidade, em geral,  preciosos conhecimentos  que, de outra forma, se poderão vir a perder.

Por outro lado, o conhecimento ancestral poderá abrir portas para novas ideias e para novas possibilidades de  intervenção no território, abrindo horizontes para novas áreas de negócio ou de investigação.


REFERÊNCIAS

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